Semana pra Dança é encerrada com espetáculo premiado pela Associação Paulista de Críticos de Arte
Outubro 7, 2024A Semana pra Dança foi encerrada na noite de domingo (6) no Armazém Cultural, em Campo Grande, com o espetáculo “Ou 9 ou 80”, da Clarin Cia de Dança, formada por bailarinos do Rio de Janeiro e de São Paulo. Eleito melhor espetáculo de dança presencial de 2021 pelo Prêmio APCA (Associação Paulista de Críticos de Artes), a apresentação traça um paralelo entre as duas cidades ao abordar as nove mortes em um baile funk em Paraisópolis (SP), e os 80 tiros disparados no carro de uma família em Guadalupe (RJ), que resultaram na morte de um homem.
Kelson Barros, diretor da Clarin Cia de Dança, explicou o que o espetáculo retrata. “O espetáculo aborda dois trágicos episódios, que conectam o Rio e São Paulo. O ‘9’ refere-se às mortes ocorridas na dispersão do baile em Paraisópolis, e ’80’ aos tiros disparados pelo exército contra a família de um músico em Guadalupe. Usamos isso como ponto de partida; é um trabalho de denúncia que, ao mesmo tempo, é de alegria. A gente volta para a tristeza, mas já está alegre novamente, seguindo como é a vida periférica”.
Para a Companhia, ser convidada para a Semana pra Dança foi uma enorme alegria. “É mais um Estado que visitamos. Este espetáculo é aceito em outros festivais. Quando falamos que é um espetáculo de passinho e funk, enfrentamos muito preconceito, mesmo sem que as pessoas saibam. Ao ouvir a palavra ‘funk’, já pensam que haverá mulheres peladas ou drogas, mas, ao assistirem, percebem que não é nada disso. Fico muito feliz em participar de festivais”, detalha Kelson.
O bailarino Felipe Silva, conhecido como Pablinho MJ, contou que a dança o salvou de destinos piores, que levaram seus amigos a caminhos complicados na periferia. “Eu evoluí muito rápido no passinho, comecei em 2013 e fui me destacando, até participar de uma companhia de dança. Me sinto realizado na Clarin. A dança é tudo para mim; é cura, paz, é quando esqueço meus problemas. Ela me salvou, porque onde eu venho há muita coisa que pode infectar a mente. Já perdi muitos amigos para o crime, e dançar hoje me resgatou. Sou de Manguinhos, favela da zona norte do Rio de Janeiro. Nunca tinha vindo a Campo Grande, gostei muito, é um lugar quente. O carioca adora calor; é um prazer apresentar o passinho aqui”.
A bailarina Juju ZL, do extremo leste da capital paulista, compartilhou sua experiência com o preconceito que o estilo de dança funk ainda sofre. “Sempre dancei, desde a infância, mas, na dança profissional, foi em festas LGBTQIAPN+ pretas, onde comecei a competir, ganhar e participar de alguns trabalhos. Participar da Clarin é fantástico; poucas vezes temos a chance de mostrar a seriedade de ser dançarina do funk, um movimento musical marginalizado, e da dança, especialmente a jogação, que sofre muito preconceito e é vista como não profissionalizada. A Clarin respeita nossa vivência, e isso é muito importante para mim”.
Juju ZL também falou sobre o preconceito que enfrenta por ser uma bailarina gorda, negra e da periferia. “Enfrento diversos preconceitos. Para mim, esses preconceitos atravessam nossos corpos. Encontrar um lugar de trabalho que não me discrimine é libertador. Onde venho, as pessoas têm preconceito em nos contratar, acham que vamos demorar ou que ficaremos cansados. O sistema nos marginaliza ainda mais. Ser um corpo gordo e preto na dança é libertador. Há companhias que não têm o acolhimento que a Clarin oferece. É absurdo poder trabalhar com o que amo, sabendo que esses recortes podem excluir algumas pessoas. É incrível como a dança nos leva a lugares que nunca imaginamos; conhecer festivais e cidades é fantástico. Se não fosse pela dança, nunca estaria aqui”.
Na plateia, Iara Caroline, acadêmica de teatro na UEMS (Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul), disse que o espetáculo trouxe uma série de emoções. “Eu ri, chorei, me emocionei, me diverti, pensei, fiquei aflita e ofegante. É incrível a capacidade deles de colocar tantas coisas em tão pouco tempo. Estou muito grata, foi um presente, melhorou meu dia e minha semana. Precisamos de mais iniciativas como essa. Participei de algumas oficinas da Semana pra Dança e fui a alguns espetáculos. A iniciativa foi esplêndida, necessária. Precisamos de mais investimentos, porque a arte é fundamental para viver”.
Ianara Ribeiro, estudante de contabilidade, também prestigiou o espetáculo e participou da Mostra de Coreografias com o Conexão Urbana. “Achei o espetáculo maravilhoso, incrível, tocante e emocionante. Me representou muito e trouxe muitas referências. Adorei, foi perfeito. A Semana pra Dança foi incrível; quero parabenizar a organização. A proposta do evento é maravilhosa, incentivar a cultura de todas as formas, e entregou muito mais do que eu esperava, e eu esperava bastante!”
Os artistas da dança e acadêmicos do curso de dança da UEMS, Karen Escobar, Alisson Muniz e Laura Gabriela, prestigiaram o espetáculo de encerramento da Semana pra Dança. “Estou extremamente feliz por ter presenciado a arte na sua forma mais pura. Adorei o espetáculo; foi tão tocante, profundo, e ver a cultura do funk aqui presente, ainda mais uma cultura que tende a ser apagada, é muito bom. É muito forte e importante; estou muito feliz”, disse Karen.
Alisson comentou sobre a experiência. “Fico feliz por ter recebido a companhia e por ter vivenciado um pouco da cultura do Rio de Janeiro e São Paulo no que diz respeito ao passinho. É ótimo ver esse contexto cultural sendo apresentado nacionalmente e ganhando espaços, além de valorizar a cultura periférica”. Laura achou a Companhia Clarin muito potente: “Trataram de assuntos sérios, tragédias, de uma forma muito respeitosa, sem perder a potência e a energia da favela. Estou encantada com o trabalho deles”.
A Semana pra Dança foi realizada pelo Colegiado Estadual de Dança de MS e Associação Arado Cultural, com investimento da FCMS (Fundação de Cultura de Mato Grosso do Sul), Setesc (Secretaria de Estado de Turismo, Esporte e Cultura) e Governo do Estado de Mato Grosso do Sul.
Karina Lima, Comunicação Setesc
Fotos: Lucas Castro/Setesc